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  • Foto do escritorOscar Nestarez

Amores arrepiantes: 7 livros de horror para embalar o Dia dos Namorados


Imagem do filme "Drácula, de Bram Stoker" (divulgação)

Recentemente, fui convidado a realizar uma palestra sobre um tema que, em um primeiro momento, chamou-me a atenção: a presença do amor na literatura de horror. E o amor romântico, aquele associado a Eros; nada de amor filial, fraternal ou de outro tipo. “Como seria possível relacionar dois sentimentos tão distantes entre si? Um significa atração, o outro é sinônimo de repulsão...”, pensei. No entanto, ao debruçar-me melhor no assunto, ficou evidente que essas dúvidas não tinham propósito.


Basta um rápido olhar para a historiografia da literatura para compreendermos que horror e amor romântico sempre caminharam juntos. Mais ainda: constatamos que com frequência é desse tipo de amor que nascem certos horrores. Diante de tal “descoberta” — e inspirado pelo mês dos namorados —, decidi elaborar uma breve lista de obras nas quais horror e amor são inseparáveis.


Seguindo uma ordem cronológica, selecionei poemas narrativos, contos, novelas e romances nos quais a união de duas (ou mais) personagens está no epicentro daquilo que causa arrepio e assombro. Vale destacar, no entanto, que quase todas antecedem a conceituação do horror na literatura, ocorrida apenas a partir da segunda metade do século 20. Compõem, assim, o que podemos chamar de “imaginário do horror”, um conjunto de temas e características estruturais fundamentais para o que veio a seguir.

Vamos às obras:


1. Lenore (1774), de Gottfried August Bürger


Há uma estrutura bastante conhecida nas narrativas sinistras em que o amor é protagonista: duas almas se apaixonam e unem-se; uma delas encontra a morte, e a outra, o desespero; de alguma forma, a alma morta retorna para apossar-se da viva, geralmente por toda a eternidade. Não à toa essa é a base de incontáveis histórias vampíricas, elas próprias representativas das relações entre horror e amor.


Lenore (1774), de Gottfried August Bürger (Foto: Wikimedia Commons)

Mas o tópos do amor imortal antecede os vampiros e vampiras de John Polidori, Sheridan Le Fanu, Bram Stoker ou Anne Rice. Temos um exemplo disso na balada Lenore, do alemão Gottfried August Bürger. Publicada pela primeira vez em 1774, a peça lírica traz a história da personagem-título e de seu noivo, cujo retorno de uma guerra ela aguarda.

Quando os cavaleiros começam a voltar e Lenore não vê seu amado entre eles, rebela-se contra Deus. Então, à meia-noite, recebe a visita de um estranho cavaleiro que se parece com futuro marido. Ele a convida para cavalgarem até o leito nupcial, e sofre uma sinistra transformação no caminho até lá.


2. Christabel (1816), de Samuel Taylor Coleridge


Outra narrativa pré-vampírica na qual o amor figura como fonte de assombro é o longo poema inacabado Christabel, do inglês Samuel Taylor Coleridge. A obra, que provavelmente começou a ser escrita no final do século 18 mas só foi publicada em 1816, apresenta-nos a relação entre Christabel e Geraldine, “dama estranha” encontrada pela protagonista perdida na floresta. Enfeitiçada pela beleza da mulher, Christabel a leva para sua casa e, a despeito de estranhos sinais (uma cadela ganindo e o reluzir de um fogo fátuo), ambas passam a noite juntas. Ao despir-se, Geraldine revela ter, no seio, uma estranha marca — “visão para sonhar, e não contar” —, o que intensifica o mistério envolvendo sua natureza.


Na peça, Coleridge, conhecido como um dos fundadores do romantismo inglês ao lado do amigo William Wordsworth, recorre a elementos perturbadores do imaginário popular, como súcubos e fantasmagorias, para assombrar a razão imperante em seu tempo.

Os cenários desoladores, típicos do Gótico, acentuam a atmosfera de horror. Em meio a tudo, a entrega irrestrita de duas personagens femininas — uma comunhão que, décadas depois, será retomada pelo irlandês Joseph Sheridan Le Fanu em seu romance Carmilla.


3. Frankenstein: ou o Prometeu moderno (1818), de Mary Shelley


Aqui, trata-se do polo inverso: o horror se manifesta não pela realização do amor, mas por sua negação. Pois vêm daí os assombros do célebre romance de Mary Shelley. A criatura começa a se tornar monstruosa — ou ameaçadora — quando Victor Frankenstein a rejeita e foge, logo após ter lhe dado a vida.


A transformação acentua-se à medida que a criatura é escorraçada pelas pessoas com quem cruza, e completa-se quando o criador desiste de criar uma companheira para ela. Victor recusa-se a proporcionar a ela o amor que tanto almejava, sobre o qual leu em sua secreta formação sentimental, vagando pelos ermos. É então que a criatura torna-se definitivamente malévola, vingativa, submetendo seu criador a “tormentos inimagináveis”. É quando tem início o ato final do romance, cujo desenlace nos conduz ao ápice do drama, da perturbação e, em consequência, do horror.


4. A morta apaixonada (1836), de Théophile Gautier


O francês Théophile Gautier tornou-se um dos principais representantes do fantástico do século 19. Tributário do alemão E.T.A. Hoffmann e do também francês Charles Nodier, esse contista, romancista, poeta e dramaturgo teve obra prolífica, na qual são recorrentes os elementos sobrenaturais, o delírio, a alucinação induzida por drogas. Mas há uma característica ainda mais notável em suas narrativas insólitas: a mulher amada que volta à vida.

O conto A morta apaixonada é o exemplo mais famoso desse projeto estético. Nele, o padre Romuald conta, ao também eclesiástico Sérapion, sua estranha história de amor com a misteriosa Clarimonde, com quem vivia uma vida dupla: dias de tédio no seminário e noites de volúpia ao lado dela em Veneza. Seu interlocutor o alerta para o fato de que a mulher seja uma infame cortesã italiana, morta pouco tempo antes. Conforme o próprio título do conto revela, ele tem razão; mas há outra característica de Clarimonde, revelada graças ao seu amor por Romuald, que a torna ainda mais sinistra.


5. Ligéia (1838), de Edgar Allan Poe


O amor que transcende a morte também é recorrente em Edgar Allan Poe. Até por questões biográficas: marcou-o para sempre a perda da mãe aos 3 anos de idade, e de Jane Stanard, a mãe de um amigo de infância pela qual era apaixonado (tinha 15 anos quando ela faleceu). No ensaio A filosofia da composição, Poe declara que “a morte de uma mulher bonita é, inquestionavelmente, o tema mais poético do mundo, e também não há dúvida de que os lábios mais adequados para este tema são os de um amante enlutado.”


Pois enlutado está o narrador-personagem de Ligéia, um dos mais belos e macabros contos de Poe. O pobre homem nos conta de sua relação com a personagem do título, de suas qualidades, do fascínio que sente por ela. Conta então da misteriosa doença que a acometeu, seguida pela morte; relata um novo casamento, desprovido de amor, com Lady Rowena, que também acaba adoecendo. Por fim, ele narra o retorno de sua Ligéia, em quem jamais deixou de pensar. A cena final do conto, na qual o tema da possessão mistura-se ao vampirismo, é de assombrosa e memorável beleza.


6. The Hellbound Heart (1986), de Clive Barker


Com o perdão pelo enorme salto temporal, chegamos a uma obra que encena aspectos assustadores do amor em tempos mais recentes. Trata-se da novela The Hellbound Heart, do inglês Clive Barker, que depois dirigiu a adaptação cinematográfica intitulada Hellraiser (no Brasil, o livro saiu com este mesmo nome, pela editora Darkside).


O amor aqui é insaciável, carnal, doentio: manifesta-se na ligação entre o hedonista Frank Cotton e sua cunhada Julia. Após ser aprisionado em uma dimensão de dor e prazer extremos governada por entidades assustadoras (os Cenobitas), onde foi desfigurado e dissecado, Frank convence a esposa do irmão a ajudá-lo a reaver sua antiga forma. Para isso, ela deve seduzir e matar homens, cuja carne servirá para alimentá-lo.


Apostando na estética fetichista, no grotesco e na violência física, Barker tornou-se o maior expoente do chamado horror corpóreo (body horror) na literatura. E as nefastas consequências do amor entre Frank e Julia são o ponto alto desse projeto artístico.


7. O quintal do vizinho (2016), de Mariana Enriquez


Encerramos nossa lista com mais um assustador “antiexemplo”, uma marca incontestável dos tempos atuais: a solidão conjugal. É o amor que, sofrendo com a rotina, converte-se em tolerância, ou mesmo indiferença. Nas mãos da argentina Mariana Enriquez, o tema torna-se tão assustador quanto triste. Até porque é sempre narrado do ponto de vista feminino, de personagens conscientes dessa dinâmica e muito sensíveis às suas consequências.


Dessa solidão conjugal padece Paula, a protagonista de O quintal do vizinho, um dos melhores contos de As coisas que perdemos no fogo. Desempregada, apartada do mundo e distanciando-se do marido (que a trata como “louca” pelas crises de depressão que sofre), ela vai sendo empurrada para um espaço mental/físico cada vez mais assustador. O desfecho da narrativa é de arrepiar e fazer o coração disparar — prova de que horror e amor têm mesmo tudo a ver.

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