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  • Foto do escritorOscar Nestarez

Rubens Lucchetti: saiba o que fez do autor um gigante do horror brasileiro



Coletânea de contos "Noite diabólica", de Rubens Francisco Lucchetti — Foto: Reprodução/www.bibliotecadoterror.com.br/

Na madrugada do último dia 4 de abril, o país perdeu seu maior criador de arrepios literários: o paulista Rubens Francisco Lucchetti, que faleceu aos 94 anos, em decorrência de uma insuficiência respiratória.


O adjetivo “maior” não é exagero. Nascido em 1930 em Santa Rita do Passa Quatro, interior de São Paulo, Lucchetti é autor de mais de 1.500 livros, além de assinar muitos trabalhos para o cinema e os quadrinhos. Esteve ao lado de gigantes do gênero por aqui, como o cineasta José Mojica Marins, o “Zé do Caixão”, e o desenhista Nico Rosso.


A grandiosidade de Lucchetti se justifica, também, pela dedicação de toda uma vida ao horror. Em entrevista ao podcast Saco de Ossos, do jornalista Marcelo Miranda, ele afirma ter sido fisgado por histórias assustadoras ainda criança, graças a Edgar Allan Poe e Arthur Conan Doyle – autores que o seguiram influenciando até o final. Do primeiro conto publicado em um jornal de bairro, quando tinha apenas 12 anos, até falecer, Lucchetti se entregou por inteiro ao gênero.


Cinema e decepção


No cinema, esse trabalho foi especialmente prolífico ao lado de Mojica. De 1969 até o começo dos anos 2000, R.F. Lucchetti roteirizou 11 filmes do criador do Zé do Caixão. Escreveu algumas das obras mais destacadas do cineasta, como O estranho mundo de Zé do Caixão e O despertar da besta; outros 14 roteiros foram elaborados, mas nunca saíram do papel.


Depois, trabalhou com o carioca Ivan Cardoso, expoente do subgênero “terrir” – no qual o universo do horror se mistura ao do humor. Desses trabalhos, destacam-se As sete vampiras e O segredo da múmia, que lhe rendeu o prêmio de melhor roteiro original no Festival de Gramado em 1982.


A experiência nas telonas, porém, foi frustrante. A falta de reconhecimento e as escolhas artísticas dos realizadores acabaram desanimando o roteirista, que a partir dos anos 1990 decidiu se dedicar exclusivamente à escrita literária.


Com a ajuda de seu filho Marco Aurélio, responsável por revisar e copidescar os textos, Lucchetti passou a se dividir entre reescrever obras antigas, que haviam saído originalmente em versão de livro de bolso, e criar novos títulos.


De 2014 em diante, todo esse trabalho fluiu para a Coleção R.F. Lucchetti, do editorial Corvo, casa responsável pelas publicações do autor. Os livros são vendidos diretamente pela página do autor no Facebook, administrada pelo filho.


Obra precursora


Lucchetti foi imenso também graças ao pioneirismo. No início da década de 1960, publicou a coletânea de contos Noite diabólica – que por muito tempo foi considerado o primeiro livro de horror brasileiro. Isto é, a primeira obra em que se reconhece a intencionalidade do arrepio, articulada por meio de contos breves que reverberam ficcionistas cardeais do gênero, como Poe, Bram Stoker e H.P. Lovecraft.


É verdade que pesquisas recentes transferiram esse pioneirismo a uma coletânea publicada quatro décadas antes de Noite diabólica, chamada A casa do pavor (1922), de Moacyr Deabreu. Mas os contos de Lucchetti representam uma contribuição fundamental para a então jovem produção do horror no Brasil: o diálogo com outras formas de arte, como o cinema e os quadrinhos de horror, em especial anglófonos.


Esse diálogo rendeu críticas ao autor. Por exemplo, há quem acuse Lucchetti de se alienar dos contextos e do imaginário brasileiros. Por outro lado, e justamente por esse vínculo com produções estrangeiras, a obra do autor foi fundamental para o estabelecimento da vertente pulp por aqui – não por acaso, ele também é chamado de “papa da literatura pulp brasileira”, nesta chave sendo lido e referenciado por escritores, ficcionistas e editores de novas gerações.


O conto que batiza a coletânea de 1963 ilustra bem o projeto literário de Lucchetti. Em Noite diabólica, lemos a história de um rapaz sem nome que, em viagem de carro por um país da Europa ao lado de um amigo, se vê obrigado a abandonar o veículo devido a uma ponte quebrada e a pernoitar em um sinistro castelo.


Vários são os horrores que os dois testemunham. Rituais sangrentos, fantasmas ensandecidos e monges satânicos compõem as cenas noturnas da narrativa. A atmosfera alude a filmes clássicos de horror da produtora britânica Hammer, que, na década de 1960, já havia realizado títulos como A maldição de Frankenstein (1957) e O vampiro da noite (1958).

Também chama a atenção a ascendência da estética do Expressionismo alemão não apenas nesses contos iniciais, mas em praticamente toda a obra literária de Lucchetti, que é marcada por intensa plasticidade.


De 1963 em diante, o escritor jamais se afastou do trabalho com o horror. É uma trajetória que se torna ainda mais impressionante quando se consideram as dificuldades de se viver da escrita no Brasil. Lucchetti sabia disso melhor do que ninguém: “Escrever é um ato solitário, e escrever este tipo de história no Brasil te torna mais solitário ainda”, afirmou a Marcelo Miranda. Que o futuro assegure a companhia de cada vez mais leitores a esse gigante do horror brasileiro.


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