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  • Foto do escritorOscar Nestarez

Washington Irving: a vida e a obra do autor que inspirou o Halloween


Retrato de Washington Irving feito entre 1855 e 1860 (Wikipedia)

Conheça a história e as inspirações do escritor de “A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça”, que disseminou as abóboras macabras como símbolo do Dia das Bruxas


Não é bom negócio ser uma abóbora "nascida" nos Estados Unidos, ainda mais em outubro. Afinal, são enormes as chances de ela se transformar em decoração de Halloween — ou melhor, em Jack-o’-Lantern (Jack da Lanterna, em português), como são chamadas as abóboras cortadas e iluminadas que enfeitam o Dia das Bruxas. Elas acabaram se tornando o maior símbolo da data no país, e hoje são conhecidas no mundo inteiro.

O que menos gente conhece são as origens dessa prática de esculpir rostos em legumes. De acordo com o site History.com, tudo começou na Irlanda, onde nabos e batatas eram usados como “telas” para entalhes e depois viravam objetos de decoração. À medida que irlandeses desembarcaram na América do Norte, também conhecida como terra das abóboras, esse hábito foi sendo adaptado. Mas a associação definitiva entre abóboras macabras e Halloween se deve especialmente a um homem: o escritor, historiador e diplomata Washington Irving. É dele o conto A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça, no qual a cidadezinha onírica de Sleepy Hollow, no estado de Nova York, é assombrada pelo espectro de um cavaleiro germânico que foi decapitado durante uma guerra. Em dado momento, o protagonista — o desastrado professor Ichabod Crane — é perseguido pela sinistra figura, que nele arremessa o que parece ser sua própria cabeça, mas que depois se revela uma abóbora.

O ator Johnny Depp interpreta o protagonista Ichabod Crane no filme Sleepy Hollow, dirigido por Tim Burton e inspirado no conto de Washington Irving (Foto: Reprodução)Graças à atmosfera de magia e mistério, e à figura monstruosa do cavaleiro, a história foi logo incorporada ao imaginário do Halloween nos EUA; e a abóbora se transformou em seu maior ícone. Já fora do país, o conto foi ganhando espaço por meio de adaptações para outras linguagens. Entre as mais famosas temos, primeiramente, o famoso desenho homônimo da Disney, de 1949; depois, o filme de Tim Burton, de 1999, muito mais violento e sinistro do que a matriz literária. Recentemente, houve também uma série produzida pela Fox, intitulada Sleepy Hollow. O primeiro “homem de letras” dos EUA

Conterrâneo de Edgar Allan Poe (sendo inclusive elogiado por ele) e considerado o primeiro homem de letras dos EUA, Irving consagrou-se ainda como um dos mais proeminentes historiadores da época. Vários títulos de sua longa e prolífica carreira editorial dão prova disso, como Uma História de Nova York (compêndio de contos satíricos publicado sob o pseudônimo de Diedrich Knickerbocker), Uma História da Vida e das Viagens de Cristóvão Colombo, Crônica da Conquista de Granada, e a monumental biografia A Vida de George Washington, composta por cinco volumes.

A própria data de nascimento de Irving carrega um significado histórico: 3 de abril de 1783, exatos cinco meses antes de se encerrar a Guerra de Independência dos Estados Unidos, iniciada oito anos antes. Natural de Manhattan, em Nova York, e caçula dos 11 filhos de um austero pastor presbiteriano de origem escocesa e de uma inglesa, Irving foi criado em um ambiente de indulgência, em que lhe era permitido fazer aquilo que mais amava: ler.

As histórias que nascem da História

A pesquisa e a contextualização históricas estão no cerne da criação literária de Irving. Tanto em A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça quanto em outra de suas obras mais famosas, o divertido conto Rip Van Winkle, chama a atenção a costura entre fatos históricos e ficção, bem como as tonalidades vibrantes da fantasia e, por vezes, sinistras do gótico. As duas obras, em conjunto com outros textos do autor, receberam uma nova publicação no Brasil, pela editora Wish. No caso de Sleepy Hollow, o pano de fundo é o contexto histórico da ocupação holandesa nos EUA. E o protagonista, Ichabod Crane, também representa um traço que, na época, já era comumente atribuído aos norte-americanos: a ambição. Ele planeja se casar com a bela Katrina Von Tassel, filha única de um rico fazendeiro local, e pretende com ela desaparecer do vilarejo graças ao patrimônio que herdará. Já o conto Rip Van Winkle traz a história de um preguiçoso pastor que, oprimido pela esposa rabugenta e mandona, escapa com frequência para as montanhas. Certa manhã, ele encontra por lá alguns duendes, que lhe oferecem uma estranha beberagem. Após experimentá-la, o rapaz dorme por 20 anos. Quando acorda e volta à aldeia, vê tudo transformado. As casas, as roupas, as pessoas; nada mais era como antes. Mas a principal mudança é histórica. Fervoroso súdito do rei britânico George III, o pastor descobre que a colônia onde vivia se tornou independente. Durante seu sono, deflagrou-se a revolução de independência dos EUA.

Amizade produtiva

Os dois contos foram publicados em The Sketch Book of Geoffrey Crayon, Gent. (“O Caderno de Desenhos de Geoffrey Crayon, Um Cavalheiro”), coleção de 34 ensaios e narrativas breves lançada em diferentes volumes nos anos de 1819 e 1820. Irving escreveu esses textos após um evento que marcou sua vida: o encontro com o escocês Sir Walter Scott, autor de Ivanhoé e Rob Roy e hoje visto como o criador do romance histórico. Os dois se conheceram na Inglaterra, para onde o norte-americano havia ido cuidar de negócios dos irmãos. Após ler alguns dos trabalhos de Irving, Scott o encorajou com entusiasmo a continuar escrevendo. Aquele encontro foi o início de uma longa e produtiva amizade, que duraria até o fim da vida de Scott, em 1832.

A estadia na Europa também foi imensamente inspiradora para a imaginação de Washington Irving. Os contos da coletânea Sketch Book ou trazem impressões do autor sobre a Inglaterra e outros países que havia visitado ou foram diretamente influenciados pelo folclore e pelo imaginário locais. São os casos de A Lenda do Cavaleiro Sem Cabeça e de Rip Van Winkle: embora ambas se passem no estado de Nova York, nos arredores das montanhas Catskill (que os nativos indígenas povoavam de mistérios), as histórias têm origem em fábulas e lendas europeias.

E é dessa confluência entre História, imaginário e imaginação que emana o fascínio da obra de Washington Irving, falecido em 1859. Seja pela combinação entre ficcionista e historiador, resultando em narrativas que propõem, acerca dos fatos, aquela reflexão crítica de que só a criação literária é capaz; seja pela apropriação de lendas e contos do velho mundo, recriadas com as cores e os traços do novo, Irving mostra-se à altura da fama conquistada já em vida, e até hoje muito vigorosa em países anglófonos. Prova disso são as pobres abóboras mencionadas no começo do texto.


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