Mia Goth está em alta. A atriz britânica com sangue brasileiro (sua avó é Maria Gladys, grande nome do nosso cinema) vem se fixando como nova vedete da sétima arte, em especial de filmes de hor
ror. Desde que despontou para o mundo como “P” no longa Ninfomaníaca - Volume II (2013), de Lars Von Trier, Goth acumula papéis em filmes marcados por, pelo menos, algum grau de perturbação. São os casos de A cure for wellness (2017), de Gore Verbinski, e da refilmagem realizada por Luca Guadagnino de Suspiria (2018), o clássico de Dario Argento de 1977.
Mas foi uma dupla de filmes recentes que colocou a atriz bem no centro dos holofotes quando se trata de arrepio: X - A marca da morte, de 2022, e Pearl, que chegou nesta quinta-feira (9) aos cinemas brasileiros. Ambos foram dirigidos e escritos pelo estadunidense Ti West, um nome também muito associado ao cinema de horror – são dele os longas Trigger man (2007) e A casa do demônio (2009), entre outros. Se em Suspiria e A cure for wellness Goth interpreta papéis coadjuvantes, em X e em Pearl ela é a estrela maior. No primeiro filme, a atriz se encarrega de um papel duplo, incorporando tanto a protagonista – a aspirante a atriz pornô Maxine – quanto a idosa Pearl. No segundo, prequel de X, conhecemos a juventude da sonhadora (e meio desmiolada) Pearl, que, por uma série de circunstâncias, se vê obrigada a permanecer na propriedade da família. Ambos os filmes funcionam como um showreel dos talentos de Goth, um portfólio de sua versatilidade e de sua intensidade como atriz. Não se trata de exagero. Em X ela é, ao mesmo tempo, vilã e heroína, monstra e mocinha. É, também, a jovem sexualmente livre e a idosa reprimida dessa história de uma trupe que vai produzir um filme pornô em uma fazenda isolada – cenário perfeito para uma matança. Moralismo feroz Os ingredientes principais, aqui, são velhos conhecidos de fãs de horror: sexo, caipiras sinistros e sanguinolência. Pois X é uma declaração de amor a slashers que tanto amamos, como O massacre da serra elétrica (1974) e Sexta-feira 13 (1980) – que consolidou a máxima “transou, morreu”, presente em tantos filmes do subgênero nos anos 1980.
Mas havia nessa dinâmica um moralismo que hoje soa careta, e Ti West toma o cuidado de recusá-lo. O que motiva seus vilões é a repressão sexual, em grande parte causada pelo fundamentalismo religioso. Por outro lado, e ironicamente, a cena em que o casal de idosos transa revela um moralismo ainda mais feroz – porque estrutural.
Já Pearl apresenta a formação da monstra. Embora em certo momento tangencie o slasher e não nos poupe de violência, o filme tem como tônica o suspense, a perturbação mental latente de sua protagonista – e sugere uma vilã para ela, a própria mãe opressora (interpretada por Tandi Wright). Nesse sentido, Pearl está mais para Psicose, o clássico absoluto de Hitchcock, do que para os filmes de matança homenageados por X.
No Kansas para sempre
Vivendo em meio aos animais da fazenda de seus pais, a jovem Pearl sonha com o estrelato no cinema. Sua caracterização de moça vivaz e alegre, sempre de cabelo preso e macacão, remete a Dorothy de O mágico de Oz (1939, dirigido por Victor Fleming), interpretada por Judy Garland – aliás, uma cena no mínimo singular com um espantalho reafirma o diálogo.
No entanto, é curioso notar que Pearl funciona como o oposto do filme dos anos 1930. Enquanto O mágico de Oz encena a jornada de uma jovem para bem longe da fazenda em que mora, rumo a uma terra mágica e desconhecida, o filme de Ti West enclausura a mocinha, quando o que ela mais queria era um destino semelhante ao de Dorothy. “Não estamos mais no Kansas” é a famosa frase que a protagonista do filme de Victor Fleming diz ao seu cachorrinho Toto. Já Pearl poderia dizer algo como “Nunca mais sairei do Kansas”.
E não sai de fato. Desesperada para se tornar estrela de cinema – o que, na década de 1920, implica saber dançar, dançar muito bem –, Pearl participa de uma seleção de uma trupe de dançarinas. Ser escolhida representaria sua passagem só de ida para a terra mágica das telonas, para bem longe do pai entrevado e da mãe tirânica. Mas ela não passa no teste, e aqui temos o ponto de inflexão do filme. A partir dele, Pearl abraça o caos e a violência – dentro de si e ao redor. Surge a vilã psicopata de X. Monólogo interminável Não foram apenas a mãe draconiana e as adversidades que revelaram a monstruosidade em Pearl. Desde o início do filme, algumas cenas pontuais apresentam traços inatamente perigosos da personagem. Nesse sentido, Pearl oscila entre justificar a origem da maldade – procedimento caro a tantas narrativas pudicas da atualidade – e não fazê-lo. O que realmente importa, aqui, é abrir o maior espaço possível para Mia Goth brilhar – em um filme coescrito por ela, cabe lembrar. E espaço e tempo de tela a atriz tem de sobra, ou mesmo excesso. Prova disso são um monólogo interminável e o longo close em sua expressão desvairada, ao mesmo tempo chorosa e sorridente, que acompanha os créditos finais.
Aliás, cara leitora e caro leitor, preparem-se: vem aí o terceiro filme da série, MaXXXine. Ganha um fim de semana na fazenda de Pearl quem adivinhar quem vai brilhar nele.
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