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  • Foto do escritorOscar Nestarez

Os autores que exploraram o horror cósmico ao lado de HP Lovecraft

Antes mal acompanhado do que só


Robert E. Howard, criador de Conan e correspondente de H.P. Lovecraft, em 1934

A vida de Howard Phillips Lovecraft foi povoada por mitos. E não nos referimos aos de Cthulhu, ou Cthulhu Mythos -- expressão cunhada pelo escritor August Derleth para designar as monstruosidades que espreitam pelas frestas do tempo e do espaço em obras como Nas Montanhas da Loucura, A Sombra Vinda do Tempo, O Horror de Dunwich e tantas outras.


Não; os mitos, aqui, são de ordem menos arcana e mais mundana. Dizem respeito à vida real do excêntrico autor estadunidense; hábitos e comportamentos que foram distorcidos ou fantasiados justamente para acentuar essa mística de excentricidade. Em uma palavra: boatos.


Cavalheiro, sim; solitário, nem tanto

Um desses boatos reza que o “Cavalheiro de Providence”, como Lovecraft ficou conhecido por seus hábitos rebuscados e corteses, não tinha amigos. Este é, talvez, o maior factóide a rondar a vida do autor.


Durante adolescência, tudo bem: ele fora, sim, muito solitário. Conforme conta o biógrafo S. T. Joshi em A Vida de H. P. Lovecraft, quando jovem, o autor enfrentou uma grave depressão e não saiu de casa por algum tempo.


Mas a reclusão absoluta não perdurou. Por meio das milhares de cartas que Lovecraft escreveu, hoje se sabe que ele tinha uma extensa lista de correspondentes. Trocava missivas regularmente com cerca de 75 pessoas — e boa parte dessa comunicação levava a encontros pessoais. O autor passava meses em outras cidades visitando amigos, e adorava fazê-lo.

Por exemplo: durante vários anos, após o Natal, H.P. Lovectraft viajava até Nova York e se hospedava na casa de Frank Belknap Long, também escritor. E passava os dias com todos os amigos que pudesse visitar.


É de quatro figuras desse círculo de amizades que falaremos agora. Autores que, às suas maneiras, contribuíram para consolidar não apenas a obra de Lovecraft, mas também o “horror cósmico”, ou cosmicismo -- o projeto estético lovecraftiano que propõe uma filosofia segundo a qual não há lugar para Deus no universo, e a humanidade se reduz a mera poeira cósmica à deriva no caos de possibilidades aterrorizantes.


Frank Belknap Long (EUA, 1901 - 1994)

O anfitrião em Nova Iorque foi mesmo um grande amigo de Lovecraft, que o teve como uma espécie de pupilo. A relação começou por meio de cartas, mas, graças às afinidades estéticas que logo ficaram evidentes, a amizade se consolidou e durou até o final da vida do autor de O Chamado de Cthulhu.


Long recebia frequentes visitas do mentor. Os dois encabeçaram o grupo KALEM, círculo literário em que o sobrenome dos participantes começava com K, L ou M. Também escreveram prefácios para as obras um do outro, revisaram textos juntos e trocaram, ao todo, mais de mil cartas.


Por sua vez, Long foi também um prolífico autor de horror, fantasia e ficção-científica. Produziu vários relatos para a revista pulp Weird Tales, o principal pólo disseminador da estética do horror cósmico dos anos 1920 e 1930. Ele contribuiu para o Cthulhu Mythos com diversas histórias, como Os Cães de Tíndalos e O Horror nas Montanhas — que, inclusive, acrescentou uma nova entidade ao panteão lovecraftiano: o elefantino Chaugnar Faugn.


Robert Bloch (EUA, 1917 - 1994)

O mais jovem autor do círculo literário de Lovecraft também começou sua relação com ele por meio das missivas. Leitor apaixonado de Weird Tales, Bloch logo virou fã das histórias do autor de Dagon, que tornou-se uma espécie de seu consultor de escrita.


Lovecraft, por sua vez, foi um dos primeiros a incentivarem a promissora produção literária de Bloch. Este serviu, inclusive, de inspiração para o personagem Robert Blake, do conto O Habitante da Escuridão — que é morto por Lovecraft ao longo da narrativa. Tratou-se de uma “gentil retribuição”, uma vez que Bloch matara um personagem inspirado no ídolo em uma de suas histórias.


Bloch tornou-se um dos mais famosos colaboradores da Weird Tales — e do próprio Cthulhu Mythos. São dele as histórias De Vermis Mysteriis e Culte des Goules, muitas vezes atribuídas ao próprio Lovecraft. No entanto, após a morte deste, Robert Bloch foi aos poucos traçando seara própria, até publicar a obra que o tornou mundialmente famoso: o romance de horror Psicose, em 1959, que Alfred Hitchcock eternizou em película um ano depois.  


Robert E. Howard (EUA, 1906 - 1936)

Autor de vida breve e trágica, mas de vasta produção (foram cerca de 300 contos e 700 poemas). Mais conhecido como o criador de Conan, o Bárbaro e o pai do subgênero literário de Sword and Sorcery, Robert Ervin Howard foi também um importante correspondente de Lovecraft.


A amizade, no entanto, foi tardia. Começou em agosto de 1930, quando Howard -- já colaborador de longa data da Weird Tales (sempre ela) — escreveu uma carta para a revista elogiando a reedição de Os Ratos nas Paredes, de Lovecraft. Este respondeu afetuosamente, e logo os dois estabeleceram uma comunicação epistolar que durou até a morte do primeiro.


Com a correspondência, Howard não tardou a começar a enriquecer o Cthulhu Mythos. Nos últimos anos de sua vida, deu preciosas contribuições ao universo lovecraftiano, com histórias como Os Filhos da Noite, A Rocha Negra e O Fogo de Assurbanipal.


No entanto, Robert E. Howard, que sempre fora vítima de depressão, recebeu um duríssimo golpe com a notícia da morte de sua mãe. Arrasado, afundado em dívidas e sem perspectivas, suicidou-se em junho de 1936 — um ano antes de Lovecraft falecer, vítima de câncer no intestino.


Clark Ashton Smith (EUA, 1893 - 1961)

Outro dos principais colaboradores da Weird Tales e do mito de Cthulhu, o poeta, escultor, pintor e autor Clark Ashton Smith também foi um importante correspondente -— e depois amigo — de Lovecraft. Este sentiu-se atraído pelo veia poética e pela inteligência sardônica que Smith revelou em seus primeiros contos de horror.


Inspirado pela criação lovecraftiana, Clark Ashton Smith escreveu, de 1926 a 1935, diversos exemplos de weird fiction, como também era chamada a corrente literária desses autores. Foi responsável por reforços de peso para o bestiário de Lovecraft, com criaturas como Tsathoggua, Aforgomon, Rlim Shaikorth, Mordiggian, entre várias outras.


A sinergia era tanta que ambos, com frequência, “emprestavam” um do outro: Lovecraft utilizava criações de Smith em suas próprias histórias, e vice-versa. Era um hábito que o próprio Lovecraft incentivava, e que acabou contribuindo para a confusão que hoje se faz entre quem criou o quê.


Aliás, a julgar pelo empenho com que esses autores exploraram o desconhecido, é pouco provável que algum deles reclamasse dessa confusão. Dificilmente um desses escritores reclamaria, para si, o big bang desse universo; pois foi e é essa contribuição que permite que tal universo se mantenha vivo, expandindo-se até hoje.


Tanto melhor assim. Porque se a felicidade só é real quando compartilhada, como afirmou o filósofo Heny David Thoreau, o medo é ainda mais real quando compartilhado. E este é um território no qual, ao contrário do que muitos pensam, Lovecraft nunca esteve ou estará sozinho.

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