Acaba de estrear no Brasil um dos filmes de horror mais esperados do ano: Longlegs - Vínculo mortal, escrito e dirigido pelo americano Osgood Perkins. A expectativa se devia aos trailers enigmáticos, às promessas de um título perturbador e, claro, à presença de Nicolas Cage, que, em anos recentes, vem estreitando seus laços com o universo do horror — Mandy (2018), A cor que caiu do espaço (2019), Pig - A vingança (2021) e Renfield - Dando o sangue pelo chefe (2023) são alguns exemplos das contribuições do ator para o gênero. Os aficionados pelo cinema assustador mencionariam também a própria direção de Perkins, responsável por bons títulos como A enviada do mal (2015) e Maria e João: O conto das bruxas (2020).
Em seus filmes anteriores, o cineasta — que é filho do ator Anthony Perkins, de Psicose (1960) —, demonstrou ser um habilidoso criador de atmosferas. Particularmente em Maria e João, uma sinistra releitura da história coletada pelos irmãos Grimm, aqui conferindo protagonismo à bruxa. O universo ficcional concebido por Perkins, escuro e nevoento, está bem distante daquele dos contos de fadas.
Em Longlegs, ele reafirma este talento. Os cenários são as paisagens campestres do estado de Oregon, sempre frias e quase sempre nevadas. Perkins sabe onde colocar a câmera para despertar em nós a sensação de que o perigo está próximo. E graças à fotografia refinada de Andrés Arochi, o pacto ficcional é rapidamente estabelecido. Já no prólogo, que se passa nos anos 1970, nos vemos envolvidos pela história da menininha caminhando pelo quintal de sua casa rumo ao encontro com uma inquietante figura andrógina, que está e não está em quadro: o plano médio revela apenas sua boca, seu corpo pálido e seus trajes muito brancos. Trata-se de Dan Ferdinand Cobble, ou Longlegs, interpretado por Cage — mas isso só adivinhamos pelo tom de sua voz.
A história salta para os anos 1990, onde se concentra em torno da protagonista, a agente do FBI Lee Harker (Maika Monroe, de A corrente do mal). Graças a seus dons psíquicos, ela é convocada a atuar em um caso que já havia sido arquivado: assassinatos de famílias inteiras, aparentemente por pais ou mães. Nos locais das tragédias, há sempre uma carta escrita com caracteres desconhecidos e assinada por “Longlegs”.
O filme, então, assume as fórmulas investigativas, com a jovem agente se unindo ao experiente Carter (Blair Underwood) na busca pela resolução; mas as escolhas estilísticas de Perkins afastam o longa do lugar comum. Até aqui, é bem realizada a costura entre a protagonista solitária, sua relação dúbia com a mãe e a lenta aproximação de Longlegs, que parece ter uma obsessão com aniversários nos dias 14 de cada mês. O quebra-cabeça se torna mais complexo com o perfume sobrenatural que dele emana, além de ares satânicos pairando por toda a trama. À nossa mente, vêm clássicos como O silêncio dos inocentes, de Jonathan Demme, e Seven, de David Fincher.
Mas Longlegs estabelece sua identidade ao apostar na estranheza algo lyncheana, ao mesmo tempo evasiva e evocativa. As névoas das paisagens do Oregon também cercam o enredo, e o pouco que vemos basta para nos manter conectados ao filme; a opacidade favorece o mistério. Estamos no terreno do insondável, tateando no escuro. Nesta entrevista, o próprio Oz Perkins cita David Lynch e o filme de Demme como referências, em especial o primeiro no que se refere à atmosfera.
A força de Longlegs começa a se dissipar justo quando o filme se torna mais translúcido. Em certo ponto, pouco após a metade, o enigma vai cedendo lugar à ânsia por esclarecer, por revelar as engrenagens que moveram a trama até ali. São muitas pontas a serem amarradas e igualmente muitas as soluções para elas, incluindo bonecas macabras, conspirações satânicas e personagens traumatizados. A resolução é complexa e demanda quase todo terço final. Nisso, saímos do insondável e sentimos que o encanto se quebrou — ou parte do encanto, pois neste trecho o Longlegs de Cage tem mais tempo de tela, e é tão fascinante que nos distrai dos pontos frágeis do roteiro.
O ator — que também produziu o filme — afirmou ter se inspirado em uma lembrança particular de sua mãe para compor visualmente a personagem: quando tinha dois anos, Cage a surpreendeu no banheiro e a viu passando um creme facial muito branco. A cena o marcou para sempre. Sua mãe sofria de esquizofrenia e depressão, o que também o ajudou a compor o excêntrico e perturbado vilão.
O resultado é um filme que acaba sabotado pela própria ambição de elucidar — como já havia acontecido, em menor medida, com Maria e João, cujo final também retira a força da atmosfera tão bem construída até ali. Osgood Perkins acende luzes demais, quando a penumbra bastaria para manter nosso fascínio por aquele universo gelado e, de fato, perturbador. Ainda assim, o talento do cineasta para filmar e sobretudo o brilho de Nicolas Cage asseguram certa personalidade a Longlegs.
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