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  • Foto do escritorOscar Nestarez

"Mundos Paralelos": como nasce uma antologia de horror para o público juvenil


'Mundos Paralelos': como nasce uma antologia de horror para o público juvenil. Divulgação/Globo Livros

Tempos atrás, a Globo Livros me fez um convite incrível: organizar uma antologia de contos de horror para adolescentes. A ideia era reunir autoras e autores contemporâneos, de diferentes regiões do país, para que escrevessem contos direcionados a um público que tivesse a partir de 12 anos.


O livro faria parte de uma coleção intitulada Mundos paralelos, composta por outras antologias nos mesmos moldes, dedicadas à fantasia e à ficção científica – esta, organizada por uma das principais expoentes do gênero no Brasil, a escritora e pesquisadora Ana Rüsche. Cada volume também deveria respeitar os critérios escolares, já que a proposta era de que a coleção pudesse ser adotada por professoras e professores em sala de aula.


Um convite especial, de fato, mas duplamente desafiador. Eu nunca havia trabalhado diretamente com esta faixa etária. A minha pesquisa e a minha ficção, no geral, se dirigem a um público mais adulto. Também tinha pouca familiaridade com os critérios escolares. Mas a editora – e em particular o coordenador do projeto, Lucas de Sena – me tranquilizou: teríamos o apoio de leitores especializados e o trabalho seria pautado pelas instruções do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD).

O prazer de desvendar mistérios

Além disso, me lembrei de minhas próprias experiências de leitura nessa idade. Ora, não tinha eu 11 ou 12 anos quando descobri para valer os encantos de um livro? Não devo isso ao estímulo de professoras e professores que colocaram em minhas mãos obras deliciosas como Berenice detetive, de João Carlos Marinho, A droga da obediência, de Pedro Bandeira, e A morte tem sete herdeiros, de Stella Carr e Ganymedes José? Sim, foram livros que inocularam em mim o prazer de desvendar mistérios e de enfrentar perigos deste e de outros mundos.


Dessas experiências iniciais até chegar à ficção de horror pela qual até hoje sou apaixonado, foi um pulo. O que é compreensível, porque adolescer é apavorante. Mudamos, mudamos muito, e as histórias assustadoras compreendem isso. Nos sentimos incompreendidos, apartados do mundo, o que nos causa raiva – e os monstros do horror surgem como espelhos de nossa condição. Pluralidade de perfis e subgêneros

Resumindo: aceitei o convite. E logo colocamos as mãos à obra. A primeira tarefa foi selecionar as escritoras e os escritores. Era nossa intenção que o conjunto fosse o mais plural possível. Queríamos contistas de faixas etárias, estados, perfis e estilos diferentes. Um objetivo ambicioso, eu sei; mas sempre acreditei cegamente no potencial de autoras e autores nacionais de horror.


Foi assim que chegamos ao seguinte grupo de oito nomes: o potiguar Márcio Benjamin, a mineira Nathália Xavier Thomaz, o paraibano Cristhiano Aguiar, o gaúcho Duda Falcão e os paulistas Rubens Francisco Lucchetti, Cláudia Lemes, Flávia Muniz e Flávia Reis. O conjunto é diverso também na experiência: enquanto Lucchetti, por exemplo, tem extensa e longeva carreira com mais de mil livros escritos, Thomaz estreou na ficção ao participar da antologia.


Selecionado o grupo, veio a escrita, sempre de acordo com os pressupostos do PNLD. Cada autora e autor elaborou uma sinopse detalhada de suas histórias que, uma vez aprovadas, foram transformadas nas primeiras versões dos contos. Aqui, foi interessante notar como, mesmo sem um pedido formal para que isso acontecesse, o conjunto de textos abrangeu diferentes subgêneros do gênero. Temos exemplos de horror psicológico, sobrenatural, cósmico, horror dentro de um relato histórico, entre outros.


Nossos contistas variavam, também, na experiência com a escrita para jovens. Flávia Muniz, por exemplo, tem ampla carreira na literatura juvenil, com obras de sucesso como o vampírico Os noturnos (Moderna) e a fantasia Viajantes do infinito (Sesi Editora). Sua xará Flávia Reis também tem obra reconhecida nesse segmento, com a série de romances históricos protagonizados pelo jovem Bernardo – são três, publicados pela editora nVersinhos. Já Cláudia Lemes, com sólida carreira nos gêneros de thriller e narrativas policiais, escreveu pela primeira vez para o público. O mesmo aconteceu a Cristhiano Aguiar, cuja coletânea Gótico nordestino (Alfaguara) vem brilhando desde o lançamento, no início de 2022.

Ameaças de todo tipo

Seja como for, todas e todos atenderam lindamente ao pedido. A experiência do horror, como sempre defendo aqui, depende da empatia. E cada contista foi capaz de se colocar no lugar dos adolescentes de hoje para entender o que os ameaça, os assusta. “Ana e a outra”, de Nathália Xavier Thomaz, aborda um ambiente escolar altamente competitivo e, em consequência, as pressões insuportáveis sobre a protagonista Ana. “Crianças do mar”, de Duda Falcão, traz o jovem Theo lidando com o luto pela perda do pai – e com ameaças tão assustadoras quanto. Já “A décima-quinta do círculo”, de Flávia Reis, encena uma festa de quinze anos envolta nas sombras da pandemia de Covid-19. E “Claire de Lune”, de Flávia Muniz, costura lendas do interior paulista aos traumas vividos pela estudante Luana.

Os outros quatro contos percorrem caminhos um pouco diferentes. Em “A noiva do São João”, de Márcio Benjamin, uma trupe de adolescentes enfrenta perigos de outro mundo, bem à moda da série Stranger things, mas com o delicioso sotaque nordestino. “Unidos de Vila Morta”, de Cláudia Lemes, e “A casa”, de R.F. Lucchetti, trazem espaços amaldiçoados – no conto de Lemes, um galpão de escola de samba na capital paulista, e, na história de Lucchetti, uma casa no interior do Rio de Janeiro que abriga um passado terrível. Por fim, “Meia-noite na Guerra do Paraguai”, de Cristhiano Aguiar, coloca três jovens de diferentes classes sociais no olho do furacão de um dos principais conflitos de nossa história, e o que os ameaça não são só as balas do exército inimigo.

Liberdade para transgredir

Os contos ainda passaram por uma revisão pedagógica, que apontou as potências e as eventuais fragilidades de cada história tendo o público em vista. Foi um olhar fundamental, considerando que os tempos atuais tornam alguns temas perigosamente sensíveis para o público. Por outro lado, a liberdade criativa de cada autor foi preservada, pois a expressão do horror depende da transgressão, da ruptura de limites.


E assim surgiu a antologia Mundos paralelos - Horror, publicada no começo deste ano. Além das histórias, o livro traz paratextos que escrevi para clarear esse universo para o público juvenil, com explicações sobre o formato do conto e o gênero do horror. Mas a verdade é que eu mesmo aprendi demais durante o trabalho. A maior lição, sem dúvida, foi entender como o gênero pode mimetizar uma das fases mais assustadoras da vida. Sou prova de que essa descoberta pode repercutir para sempre.

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