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  • Foto do escritorOscar Nestarez

Livro reúne contos de horror inesperados e em traje de gala

Confira a resenha do livro 'Contos de Assombro', que conta com histórias de diferentes autores



Por incrível que pareça, ainda existe quem considere a ficção de horror uma modalidade literária "menor". Ainda existe quem, ao ouvir falar do assunto, suspire longamente, revire os olhos e abane as mãos como se quisesse afastar um pernilongo. De nada adianta mencionarmos alguns dos vários “monstros sagrados” que, em algum momento, escreveram contos sombrios; os detratores logo dirão que essas obras não passaram de aventuras pontuais, exercícios de retórica necessários para a prática da “grande” literatura.


Pois bem: um poderoso argumento contra tais difamadores acaba de chegar às livrarias. Trata-se da antologia Contos de assombro (ed. Carambaia). A exemplo da já clássica edição da Cosac Naify para a Antologia da literatura fantástica (organizada pelos argentinos Jorge Luis Borges, Silvina Ocampo e Adolfo Bioy Casares), a nova publicação tem o potencial e o élan para tornar-se um marco.


Talvez bem mais discreto do que a obra anterior, por conta do tamanho — 224 páginas, contra as 440 daquela. Mas, por limitar o escopo da literatura fantástica às narrativas que causam assombro, a recém-lançada antologia pode muito bem colocar alguns pingos nos is. E já não era sem tempo.


Vocês por aqui?


A começar pela seleção de autores. Logo na elegante capa, surpreendemo-nos com vários nomes que não costumam frequentar páginas obscuras. Lá estão autores canônicos como Émile Zola, Ivan Turguêniev, Luigi Pirandello, Edith Wharton e Virginia Woolf, que costumamos associar a outras paragens literárias. Estão ao lado de habitués como Guy de Maupassant, Robert Louis Stevenson, E.T.A. Hoffmann, Horacio Quiroga e, claro, Edgar Allan Poe.


A eles, juntam-se alguns escritores menos conhecidos, como o argentino Leopoldo Lugones, a espanhola Emília Pardo Bazán, o norte-americano Washington Irving, o inglês M.R. James, o francês Charles Nodier e o russo Leonid Andrêiev. Completam o grupo três brasileiros: o carioca João do Rio, o maranhense Humberto de Campos e o pernambucano Medeiros e Albuquerque (que deve ter redigido O soldado Jacob enquanto descansava da tarefa de ter escrito a letra para o hino da Proclamação da República). 

Do naturalismo (Zola) ao expressionismo eslavo (Andrêiev), passando pelo romantismo (Hoffmann) e até pelas crônicas (João do Rio), estão aí reunidos alguns expoentes das mais variadas formas literárias. Vindos de tempos, culturas, sociedades e idiomas diferentes, encontram-se no território do assombro, da ambiguidade, do sobrenatural e do estranhamento.


Cão fantasma e narrativa-reflexo


Os temas são igualmente variados. Temos, sim, histórias de fantasmas de notável força — como a de M.R. James, considerado por H.P. Lovecraft um expoente da narrativa sobrenatural. Ou Janet, a troncha, de Robert Louis Stevenson, recomendada por Henry James como uma obra-prima de 13 páginas. Aqui estão, também, outras queridas personagens dos fãs de horror, como as bruxas, alguns canibais e o próprio Lúcifer em carne, osso e enxofre.


Mas, nascidas das mentes de autores tão diversos, as narrativas de assombro enveredam por caminhos tão novos quanto surpreendentes. Turguêniev coloca-nos diante de um cão fantasma, Horacio Quiroga prende-nos com os cavalos, as vacas e um touro cercados por arame farpado e Virginia Woolf desenvolve… bem, o que podemos chamar de uma narrativa-reflexo, proporcionando-nos a inquietante experiência de acompanhar uma história a partir de um espelho.


A impressão que temos é a de que, com um conjunto tão diverso de autores, a editora Carambaia procurou distanciar-se das convenções de gênero para ater-se, pura e simplesmente, ao assombro. Um território ancestral e insuspeito, frequentado por pequenos, medianos e grandes criadores; um território que não corre riscos de receber os “cercados” estéticos de que críticos tanto gostam e carecem.


O bem-vindo reforço acadêmico


Mas isso não significa que não haja delimitações teóricas. Em um elucidativo posfácio, o pesquisador Alcebíades Diniz, Pós-Doutor em Teoria Literária pela Unicamp, apresenta uma possível linha do tempo do desenvolvimento das narrativas extraordinárias — e depois assombradas.


Recapitulando o surgimento da ficção gótica, no século XVIII e a subsequente manifestação do fantástico, Diniz percorre os campos da Filosofia e da História para compreender os motivos pelos quais as narrativas misteriosas tanto nos fascinam e, claro, assombram.

Responsável pela seleção de contos, o próprio pesquisador admite a insuficiência acadêmica diante do mistério: “a impossibilidade de uma absoluta precisão teórica — consideravelmente mais desenvolvida no caso da narrativa realista [...] — contribui, de certa forma, para a própria configuração da ideia de fantástico, instituída com a força da estranheza na arte e na ficção”.


Traje de gala


A estranheza é reverberada pelo projeto gráfico do livro, que merece destaque. Da capa com adornos arcanos em alto relevo à diagramação interna, a edição nos remete a um breviário sombrio. Em personalidade e requinte visual, também equipara-se à já mencionada Antologia da literatura fantástica. Cada autor incluído na coletânea, bem como sua obra, tem direito a uma breve apresentação, que situa o leitor em relação aos demais.


Por tudo isso, Contos de assombro é uma importante novidade editorial. Para os fãs de horror, sem dúvida, já que reúne narrativas de autores inesperados. Mas é uma novidade também para quem ainda separa essa vertente da “grande literatura”. Até porque, depois de um tal conjunto de escritores, apresentados com tamanho apuro editorial e em tão distinto traje, vai ser difícil definir onde termina uma e começa a outra.

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