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  • Foto do escritorOscar Nestarez

Livro reúne 27 história de horror brasileiras e pouco conhecidas


Capa de Tênebra - Narrativas brasileiras de horror [1839-1899] (Fonte: editora Fósforo)

Em outubro de 2021, a Tênebra, primeira biblioteca digital de narrativas sinistras brasileiras, veio ao mundo. Trata-se de um site que oferece, para download gratuito, histórias obscuras de autores e autoras nacionais em domínio público. O termo “obscuras” tem um duplo sentido, porque nosso site não traz só obras que tangenciam ou abraçam elementos do horror, mas que também são pouco — ou nada — conhecidas do público. Agora, exatamente um ano depois do lançamento, a iniciativa rendeu a publicação de Tenebra - Narrativas de horror brasileiras [1839-1899], pela editora Fósforo e com a organização dos autores deste texto. O volume é composto por 27 histórias assustadoras reunidas a partir de pesquisas em hemerotecas e publicações raras. Nele estão alguns nomes consagrados de nossa literatura, como Machado de Assis, Olavo Bilac, Júlia Lopes de Almeida e Aluísio Azevedo, e outros ilustres desconhecidos, como Antônio Joaquim da Rosa, Cícero Pontes e Maria Benedita Bormann. Como Tênebra surgiu

Tanto o livro quanto a biblioteca digital são recentes, mas resultam de anos e anos de pesquisa. Tudo tem início em 2007, quando eu, Júlio França, e meus orientandos na época passamos a pensar na possibilidade de estudar as manifestações do horror na ficção literária brasileira.

Logo nos deparamos com a inaceitável ausência de uma tradição crítica nacional sobre o tema. Percebemos que, para realizar uma tal pesquisa, precisaríamos buscar fundamentos teóricos nos estudos dedicados a esse gênero em literaturas estrangeiras.

Pelo menos nesse sentido estávamos bem servidos. É espantoso o volume de reflexões críticas, teóricas e historiográficas sobre a ficção de horror — especialmente em língua inglesa. E em meio a esse vasto material, estabelecemos um método para nossa pesquisa: nos concentramos na elaboração de um corpus teórico que abrangesse reflexões críticas produzidas apenas por ficcionistas do gênero. Filiações filosóficas do assombro

Foi assim que chegamos a quatro autores: Horace Walpole, Edgar Allan Poe, Howard Phillips Lovecraft e Stephen King. Todos são ficcionistas reconhecidos pela tradição, que haviam legado importantes reflexões sobre o gênero. O estudo desse corpus crítico inicial nos levou a perceber a importância, para esses autores, da exploração da sensação de medo do leitor, e revelou duas filiações filosóficas comuns: • à tradição aristotélica, que compreende e valoriza a arte não apenas em seus aspectos cognitivos, mas também, e principalmente, em seus aspectos sensoriais; • à tradição burkeana, que valoriza sensações como o medo e o horror como principais fontes de uma experiência estética singular e de intensidade inigualável – o sublime, conforme cunhado pelo filósofo Edmund Burke.

Desse momento em diante, ficou claro que a literatura a ser investigada era aquela capaz de despertar a emoção do medo. Tal literatura possuía uma longa tradição de obras na cultura ocidental, havendo mesmo uma série de conceitos fundamentais dos estudos literários que estavam, de algum modo, relacionados a elas: catarse, sublime, grotesco, entre outros.

Estrela solitária

Mas… e no Brasil? Quais narrativas seriam essas? Lá em 2007, se pedíssemos a um conhecedor do cânone nacional um exemplo de narrativa de horror, ele provavelmente mencionaria Noite na taverna. E nada mais. Então, para descobrir o que havia além de Álvares de Azevedo, adotamos um procedimento metodológico simples. Procuramos por antologias nacionais que mencionassem, em seus títulos, termos como narrativas “de horror”, “de terror”, “macabras”, “cruéis”, “violentas” e (o que se revelou um acerto metodológico fundamental) “fantásticas”. Porque, na tradição crítica brasileira, a literatura do medo sempre foi muito relacionada ao gênero fantástico. Na época, constituímos um corpus inicial que demonstrava a variedade de autores que, de algum modo, incorporaram o medo como um elemento narrativo. O estudo desse corpus nos revelou haver, sim, no âmbito da literatura brasileira, uma produção que poderia ser chamada de literatura de medo. Mas ela estava à margem da crítica e da historiografia acadêmica, “neutralizada” pela ausência de uma recepção formal preocupada em analisá-la.

Trabalho que não se conclui

Identificar uma literatura sinistra no Brasil, portanto, implica não apenas descobrir narrativas e escritores esquecidos pela crítica hegemônica; implica também reler, por uma outra perspectiva, a ficção brasileira — inclusive autores e obras já consagrados pela tradição literária.

A partir desse pressuposto, aquele corpus inicial foi se expandindo. Em 2012, criamos um subgrupo – o do grande Oitocentos brasileiro, abrangendo da década de 1840 à de 1920; e, com o passar dos anos, esse conjunto só cresceu. É de fato um trabalho que não se conclui; hoje, seguimos buscando obras raras, especialmente em hemerotecas digitais. Variedade e alguns achados

A biblioteca digital Tênebra foi criada para oferecer ao público acesso às obras que encontramos ao longo da pesquisa. E a antologia publicada pela editora Fósforo ajuda a ampliar essa difusão. As 27 histórias que a compõem dão a medida da força e da pluralidade das vertentes literárias mais sinistras no Brasil do século 19, muitas das quais encontraram o reconhecimento do público na época, mas depois foram totalmente apagadas. Fábulas cautelares, narrativas góticas, crimes pagos com crimes, ghost stories, acontecimentos fantásticos, causos de lendas e assombrações, aventuras macabras de crueldade e violência, eventos sobrenaturais e até mesmo apocalípticos: são variados os assombros proporcionados pelos contos reunidos na obra.

Há, ainda, alguns achados dos quais nos orgulhamos, como a versão inédita em livro de Acauã, de Inglês de Sousa, ou uma versão pouco conhecida de A nevrose da cor, de Júlia Lopes de Almeida. E as macabras capitulares desenhadas pelo artista plástico Eduardo Belga amplificam essas sensações, prometendo um Halloween de arrepios bem brasileiros.

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